Alunos chegam até nós e dizem “quero falar com bom sotaque”, e com alguma frequência ouço “tu falas sem sotaque”. São comentários que acho interessantes e luto contra a tentação de dar uma palestra sobre o assunto. Não vou dar aqui a minha grande palestra. Por hoje, permite me partilhar de forma breve alguns comentários sobre sotaques.
Let’s get into it.
O que é o sotaque?
O sotaque é uma forma distinta de pronúncia. O sotaque surge de uma combinação da intonação, o posicionamento da língua, as ligações entre as palavras (algo interessante acontece no francês, “liaison“), a atribuição de importância a uma sílaba ou palavra, e os sons de vogais, consoantes e ditongos.
O sotaque é peculiar e particular à um determinado indivíduo, local, povo ou nação, assim sendo, o sotaque pode indicar a região, o nível socioeconómico, e a influência de outras línguas que o interlocutor fala. Vimos por exemplo neste post, que os falantes de português como língua materna têm certos desafios em falar algumas palavras em inglês porque as palavras utilizam sons ou regras que não existem na língua portuguesa.
As pessoas têm problemas com sons que não existem na sua língua materna e isso pode se tornar uma barreira. É por exemplo difícil para um falante nativo da língua inglesa pronunciar o som “ão” encontrado no português.
Quando falamos numa língua estrangeira, queremos obviamente soar o mais “natural” possível e como falantes nativos. Penso que é isso que as pessoas querem dizer quando dizem que querem falar sem sotaque. Mas como vimos pela definição da palavra, todo mundo tem um sotaque. Até aqui tudo bem, para mim o problema começa quando temos associações muito negativas de alguns sotaques.
O bom sotaque
Confesso que por vezes me sinto um pouco estranha quando alguém diz que eu tenho um “bom sotaque”. O que é um bom sotaque? Penso em duas coisas:
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- Há muita gente que pensa que quando aprendemos uma língua estrangeira, nunca vamos conseguir falar ela tão bem quanto falamos a nossa língua materna. Surge um espanto, “tu falas tão bem”, eu simplesmente aprendi o inglês e continuo aprendendo! É engraçado porque nem a nossa língua materna aprendemos na totalidade! No outro dia me deparei com essa piada: Aprendemos uma língua estrangeira em um ano e aprendemos a nossa língua materna durante a vida inteira.
- “Tens um sotaque bonito”. Eu me pergunto, o que torna um sotaque “bonito”? O que é um “sotaque feio”?
Penso que existe o padrão: Inglaterra, Estados Unidos, Canadá. Eu notei que várias plataformas de aprendizagem de inglês online só aceitam falantes nativos como professores. Para eles os falantes nativos são pessoas do Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Nova Zelândia, Austrália e em alguns casos da África do Sul também. Eu me pergunto, e o resto do mundo? Pessoas da Índia, Filipinas, Zimbabwe etc., falam um inglês inferior? “Feio”?
Acho que o “feio” é muitas vezes tido como aquilo que está fora do padrão. Por exemplo, os Estados Unidos tem uma influência cultural tremenda em toda parte do mundo através da música, a máquina chamada Hollywood etc. e assim facilmente torna-se a nossa referência. Ouvir o inglês da Austrália por exemplo pode soar estranho, “feio” se não estás habituado porque o desejável é o comum.
O inglês é uma língua universal com muitas variações. Eu acho isso rico e tenho muito prazer em aprender sobre como a língua é usada em diferentes partes do mundo.
Sou uma fã assumida das expressões pidgin da Nigéria, Gana, Serra Leoa, o patois da Jamaica etc., acho fascinante. O meu fascínio deu origem a uma relação muito presente com o significado de “falar corretamente”. Existem regras, claro, e como professora eu ensino as regras, o padrão mas também percebo que a língua é mutável, dinâmica, tem vida própria e gosto de falar sobre essas nuances.
Posso falar inglês sem sotaque?
Não. Todo mundo tem um sotaque.
No fundo, algumas pessoas percebem o sotaque como algo pejorativo ou negativo. Essas pessoas geralmente não pensam no facto que o falar do inglês ou do americano não deixa de ter um sotaque.
Eu e os meus ouvidos atentos constantemente brincamos um jogo de identificar sotaques. No outro dia conheci um turista britânico em Luanda. Ele disse que era de Londres mas pela sua pronúncia percebi que tinha alguma conexão com o Caribe. A nossa amizade começou assim no Memorial António Agostinho Neto. Eu acho isso bonito, o facto que a forma que nós falamos pode contar um pouco da nossa história; quem somos, de onde somos. Em dias que falo em português durante o dia todo e depois falo em inglês eu noto que a minha língua fica confusa, alguns sons soam aportuguesados, mas eu já estou longe de me incomodar com isso.
Em suma, é de realçar que a língua é um instrumento de comunicação. Gosto muito dos alunos que se esforçam para falar e melhor ainda, aqueles que falam sem muito medo de errar. Isso é muito importante porque o medo de errar cria estagnação e é um dos grandes motivos que impede as pessoas de falar inglês.
Eu discordo com a busca do “bom sotaque”.
Não existem sotaques inferiores.
1 Response
Obrigada pela leitura!